A porta pesada rangeu nas
dobradiças enquanto empurrava para abrir. Com poucos passos Ele atravessou a
oficina silenciosa e abriu a veneziana de madeira para ajustar os raios de luz
do sol que penetravam na escuridão, pintando uma caixa da luz do dia no chão
sujo.
Ele olhou ao redor na oficina de carpintaria. Ele ficou parado por
um momento no abrigo do pequeno aposento que guardava tantas doces lembranças.
Balançou o martelo em sua mão. Passou seus dedos entre os dentes pontudos da
serra. Bateu na madeira gasta e suave do cavalete. Ele veio para
despedir-se.
Era hora dEle ir embora. Ele ouviu algo que O fez saber que
era hora de ir. Então veio pela última vez sentir o cheiro de serragem.
A
vida era calma aqui. A vida era tão... segura.
Aqui Ele passou horas
incontáveis de contentamento. Neste chão sujo brincou como uma criança que
começa a andar enquanto o seu Igual trabalhava. Aqui José O ensinou como segurar
um martelo. E nesta bancada Ele construiu sua primeira cadeira.
Eu fico
curioso para saber o que Ele pensou quando deu a última olhada ao redor do
aposento. Talvez tenha parado por um momento ao lado da bancada olhando para as
pequenas sombras projetadas pela escultura. Talvez Ele escutasse enquanto vozes
do passado enchiam o ar.
“Bom trabalho, Jesus.”
“José, Jesus –
venham e comam!”
“Não se preocupe, senhor, vamos terminá-lo a tempo. Vou
pegar Jesus para me ajudar.”
Fico curioso para saber se Ele hesitou. Fico
curioso para saber se Seu coração estava ferido. Fico curioso para saber se Ele
rolou um prego entre seu dedão e seus dedos, antecipando a dor.
Foi na
oficina de carpintaria que Ele deve ter dado início a seus raciocínios. Aqui
conceitos e convicções foram entrelaçados para formar a estrutura do Seu
ministério.
Você quase pode ver as ferramentas da sua profissão em Suas
palavras enquanto Ele falava. Você pode ver a segurança de um prumo quando Ele
chamava a atenção para padrões morais. Você pode ouvir o som da plaina enquanto
Ele apelava para a religião para cortar fora as tradições desnecessárias. Você
pode imaginar o conforto daquele que reúne a madeira quando Ele exige lealdade
nos relacionamentos. Você pode imaginá-lo com um lápis e um livro-razão enquanto
Ele argumenta a honestidade.
Foi aqui que Suas mãos humanas deram forma à
madeira que Suas mãos divinas criaram. E foi aqui que Seu corpo amadureceu
enquanto Seu espírito aguardava o momento certo, o dia certo.
E agora
esse dia chegou.
Deve ter sido difícil ir embora. Apesar de tudo, a vida
de um carpinteiro não era má. O negócio era bom. O futuro era brilhante e seu
trabalho era agradável.
Em Nazaré, Ele era conhecido somente como Jesus,
o filho de José. Você pode ter certeza que Ele era respeitado na comunidade. Era
bom com suas mãos. Tinha muitos amigos. Era o favorito entre as crianças. Podia
contar uma boa piada e tinha o costume de encher o ar com uma risada
contagiosa.
Fico curioso para saber se Ele queria ficar. Ele poderia
fazer um bom trabalho aqui em Nazaré. Estabilizar-se. Criar uma família. Ser um
líder municipal.
Fico curioso porque sei que Ele já havia lido o último
capítulo. Ele sabia que os pés que iriam pisar fora da sombra segura da oficina
de carpintaria não iriam descansar até serem perfurados e colocados em uma cruz
romana.
Note, Ele não tinha que ir. Ele tinha uma escolha. Poderia ter
ficado. Poderia ter ficado com sua boca fechada. Poderia ter ignorado o chamado
ou pelo menos o adiado. E se Ele tivesse escolhido ficar, quem saberia? Quem O
teria culpado?
Ele poderia ter voltado como homem em outra época quando a
sociedade não fosse tão volátil, quando a religião não fosse tão estragada,
quando as pessoas ouvissem melhor.
Ele poderia ter voltado quando as
cruzes estivessem fora de moda.
Mas Seu coração não o deixaria. Se
houvesse hesitação por parte de Sua humanidade, seria dominada pela compaixão de
Sua divindade. Sua divindade ouviu as vozes. Sua divindade ouviu os choros
desesperados dos pobres, as acusações amargas dos desamparados, o desespero
daqueles que estão tentando se salvar.
E Sua divindade viu os rostos.
Alguns franzidos. Alguns chorando. Alguns escondidos atrás de véus. Alguns
obscurecidos pelo medo. Alguns sérios e penetrantes. Alguns sem expressão com
aborrecimento. Desde o rosto de Adão até o rosto do bebê nascido em algum lugar
do mundo enquanto você lê estas palavras, ele viu todos.
E você pode ter
certeza de uma coisa. Entre as vozes que encontraram seu caminho para dentro
daquela oficina de carpintaria em Nazaré estava a sua voz. Suas orações
silenciosas pronunciadas em travesseiros manchados com lágrimas foram ouvidas
antes de serem ditas. Suas perguntas mais profundas sobre morte e eternidade
foram respondidas antes de serem perguntadas. E sua necessidade mais extrema,
sua necessidade de um Salvador, foi conhecida antes mesmo de você pecar. Ele viu
seu rosto na hora que você soube dEle pela primeira vez. Ele viu seu rosto
envergonhado na hora que você caiu pela primeira vez. O mesmo rosto que olhou de
volta para você por esse espelho de manhã olhou para Ele. E foi suficiente para
matá-lo.
Ele foi embora por sua causa.
Ele deixou sua segurança
com seu martelo. Ele pendurou sua tranqüilidade no cabide com seu avental de
pregar. Ele fechou as venezianas da janela da sua juventude brilhante e trancou
a porta do conforto e da facilidade do anonimato.
Uma vez que Ele podia
pagar por seus pecados mais facilmente do que podia suportar pensar em Seu
desespero, Ele escolheu ir embora. Não foi fácil. Deixar a oficina de
carpintaria nunca tem sido.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
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